Amanhã é véspera de Natal e, nestes dias, mais do que nos outros, é impossível não me recordar, com carinho, dos meus Natais de antigamente. Eram sempre passados na casa dos meus avós, eu era pequena e a casa era relativamente grande, muito antiga e cheia de história. Antiga o suficiente para que os meus bisavós tenham lá vivido desde sempre e especial o suficiente por ter sido onde a minha avó nasceu.
Sempre fui de me encantar por coisas antigas, por pormenores e por me deixar levar por pensamentos que surgissem apenas pelo simples acto de pegar num objecto. Por isso, aquela casa me dizia tanto. Havia um álbum mesmo antigo, que fiz questão que ficasse comigo, de capa dura, desenhada e com um fecho, onde estavam expostas fotografias grossíssimas e antiquíssimas a preto e branco, algumas com datas escritas atrás, com crianças de caracoizinhos, mulheres de vestidos com espartilhos e de penteados complexos e homens fardados com monóculos. Fazem parte da família e, de tão antigos que são, nem a minha avó conseguia identificá-los.
Gostava de abrir as gavetas do toucador do quarto dos meus avós e de experimentar o pó de arroz e os brincos brilhantes, mas de mola. Era no guarda-fato, de dimensões maiores do que o normal, que eu encontrava vestidos, estolas e carteiras do tempo em que a minha avó era mais jovem e conseguia ainda sair à rua. Eu arranjava maneira de caber dentro dos largos vestidos e admirava-me ao espelho, sonhando e ansiando pelo dia em que tivesse tamanho e autorização para sair de casa com trajes semelhantes, embora mais modernos.
O sótão era o sítio que mais me encantava. Sempre que alguém dizia que tinha de lá ir buscar qualquer coisa, ou guardar qualquer coisa (que era o que mais frequentemente acontecia), eu fazia questão de ir também. Abrangia todo o espaço da casa, era muito abafado, estava repleto de todo o tipo de coisas e tinha cheiro a pó. Pó esse que dava para ver perfeitamente através da luz que entrava pela clarabóia. Ao fundo, estavam empilhadas malas de viagem, antigas, que mais pareciam baús. Dentro de uma caixa, dezenas de cartas umas sobre as outras presas com um cordel de nó e laço bem feitos, difíceis de desfazer, como que se declarassem que assim deviam permanecer as correspondências feitas, há muito, entre Lisboa e Moçambique.
Na véspera de Natal, eu ficava na sala quentinha a fazer companhia à minha avó, enquanto a minha mãe e a minha tia estavam na cozinha a preparar a ceia. Lembro-me que víamos sempre o Sequim d’Ouro na televisão que só apanhava os quatro canais e que, mesmo assim, às vezes era preciso dar uma pancadinha de lado para que a imagem aparecesse nítida. Os enfeites da árvore e da casa eram sempre os mesmos e era eu que ajudava a montar o presépio e a árvore de Natal.
Recordo-me de Natais mais felizes do que outros, de Natais em que nem todos puderam estar presentes e até do meu último Natal naquela casa. Foi há quase oito anos e ainda agora, se fechar os olhos, consigo sentir o cheiro e o calor, descrever pormenorizadamente cada divisão da casa, ouvir o constante ruído do ranger do chão de madeira antiga de cada vez que alguém o pisava e, o que me dá mais saudades: ouvir a voz e o riso da minha avó.
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