Hoje de tarde o sol chamou-me para a rua. Apetecia-me ver pessoas e sentir o sol a queimar a cara e os braços. Percorri as ruas perto de Alfama e da Baixa e acabei sentada, a meio da Rua Augusta, num degrau. À minha frente estavam os índios a tocar as flautas de pã do costume. Não me importo que eles sejam já um hábito por aquela zona, gosto sempre de ouvir as músicas mais, ou menos, originais que eles têm para oferecer a quem quer que passe. Hoje, por se aplicarem mais por ser sábado ou talvez por ter ficado mais tempo a ouvi-los, soou-me bem melhor do que quando passo por eles à pressa. Sentei-me, então, no degrau, de frente para todas aquelas penas coloridas, caras pintadas, cabelos negros compridos entrançados, flautas de pã e tambores. Eles sorriam e o meu pé batia levemente no chão a marcar o ritmo.
Admito que corri o fecho da mala umas duas vezes para pegar no telemóvel e enviar uma mensagem a dizer que estava ali. Mas não tive coragem. Precisava de estar sozinha no meio da multidão. Estar ali sentada de corpo franzino e óculos escuros e sentir-me tanto notada como ignorada.
Entre mim, e o sítio onde eles estavam, passaram centenas de pessoas durante aquela hora e pouco em que ali estive parada. Vi o sol a esconder-se atrás das escassas nuvens brancas e a trazer o ar mais frio, que me fez vestir o fino casaco de malha, e a voltar a aparecer e fazer-me despir novamente o casaco. Tive tempo para ver uma criança a ser o centro das atenções porque dançava ao som da música dos índios. Tive tempo para ver um mendigo de barbas grisalhas e pele estragada pelo sol, em roupas quentes e chapéu azul, completamente estático no meio das pessoas que se movimentavam para lá e para cá. Notava-se que estava no seu próprio mundo há muito tempo e que já nada mais importava. Tive tempo para ver uma mulher a ajudar o marido a levantar-se do degrau ao meu lado, onde parou para descansar e donde tinha dificuldades em se levantar. Foram os dois embora abraçados. Tive tempo para observar, fazer suposições e imaginar histórias de vida de algumas pessoas que paravam perto de mim a assistir aos índios. Por mim passaram todo o tipo de andares, todo o tipo de expressões faciais e características; pessoas daqui e dali que eu queria que me levassem com elas; caras risonhas e até chorosas e outras totalmente neutras. Estava completamente absorta naquele cenário que me proporcionava todo o tipo de histórias utópicas, que mal dei conta que um rapaz se tinha sentado ao meu lado e que estava a falar comigo. Trocámos algumas palavras em inglês e quando dei conta estava a ser puxada para dançar. Uns segundos depois estava a dirigir-me para o Terreiro do Paço. Já não fazia sentido permanecer ali.
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