sábado, 28 de junho de 2008

Desato o cabelo que estava arranjado de forma a realçar o pescoço longo e fino. Já solto, cai duma vez só até roçar os ombros. Descalço as sandálias de salto alto novas, que calcei por me fazerem realçar os quase inexistentes músculos das pernas. Dispo o vestido que cuidadosamente escolhi por tanto destacar o que mais gosto no meu corpo, como ao mesmo tempo também disfarçar o que menos gosto. Estou nua e viro-me para o espelho. Encaro-me como tantas outras vezes, com a diferença de que quase sempre olho para este corpo de soslaio ou pela metade, como se o facto de apenas não olhar tornasse inexistente aquilo que me deixa constrangida. Mas desta vez é diferente, desta vez preciso de me contemplar e aceitar aquilo que vejo, sem comparações, sem embaraços. Os pés de dedos pequenos e paralelamente em escadinha. A cicatriz no joelho esquerdo feita em pequena, não sei onde nem como. A queimadura do tamanho de uma gota, um pouco mais acima, que ali está desde o verão de 96. As pernas de bonitos contornos mas muito pouco definidas que até há pouco estavam escondidas dentro do vestido. Os braços finos, mãos bonitas de unhas quase sempre arranjadas mas com peles roídas em alturas menos fáceis. Uma cicatriz de um corte no polegar direito e uma pequena marca no dedo indicador da mesma mão. Os olhos castanhos e grandes prendem-se no tronco, a minha zona preferida não só pelos sinais estrategicamente situados, mas pelos ombros, pelas costas e pelo pescoço. Gosto. Olho para fotografias de há três anos e já noto diferenças na minha face. Tenho medo, não quero envelhecer. Experimento expressões, arregalo os olhos, faço caretas, aperto porções de pele aqui e ali e imagino como seria sem esses bocadinhos a mais, ou se tivesse mais peito. Olho-me e penso como é extraordinário que, às vezes, nem sequer consigamos olhar para o nosso próprio corpo. É isto que eu sou, sou também esta matéria, com todas as imperfeições. Tento falar em voz alta, aprofundar aquilo que sou, aquilo que sou por dentro, mas não consigo. Se contemplar o que está por fora custa, fazer o mesmo com o que está por dentro pior ainda. As lágrimas acabam por invadir os olhos, oh por tantos motivos… mas sobretudo porque encerro no meu corpo o peso doutro corpo, porque os meus ouvidos transbordam de conversas e de sons de gargalhadas dadas em conjunto, assim como os meus olhos têm registados os momentos envoltos na luz ténue. O meu próprio corpo é uma caixa de recordações e, neste momento, já as lágrimas deixaram de ter vergonha e passaram a rolar pelas bochechas caindo para o meu peito, para o coração.

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