quarta-feira, 5 de dezembro de 2007

palco

Gostava de estar em cima dum palco de chão feito com tábuas de madeira escura, e já gasta, com as marcas explícitas da presença de cada história ali representada. Marcas de peças de cenário a serem arrastadas dum lado para o outro, marcas de passos incontáveis.

Gostava de estar em cima dum palco com a luz branca a iluminar-me o corpo franzino coberto com trajes próprios, aqueles que farão de mim o que pretenderem.

Gostava de estar em cima dum palco e ver as partículas de pó a moverem-se dum lado para o outro em nuvens, porque a luz deixa. Sentir o cheiro abafado e poeirento que se entranha e seca as narinas.

Gostava de estar em cima dum palco e correr desenfreadamente, ouvir o som forte dos passos aumentados e sentir que me deixo ir, sem embaraços, com determinação. E sentir o coração na garganta, no fim.

Gostava de estar em cima dum palco e conseguir distinguir-me das personagens que interpretaria, sem me esconder por detrás delas. Ter a capacidade de identificar cada traço, saber quem eu verdadeiramente sou, sem receios e com orgulho.

Gostava de estar em cima dum palco. Dos antigos, que têm história.

1 comentário:

Eduardo César disse...

Descreves esta sensação com mais perspicácia do que alguém que passa a vida nos palcos: para esse, o palco é afinal de contas um sítio vulgar.