terça-feira, 12 de fevereiro de 2008

Baía São Lourenço, Açores

Este meio palmo de terra diz-me mais do que qualquer outro sitio. Aqui, passei todos os meus verões, inteirinhos, desde os nove anos. Aqui, dei o meu primeiro beijo, zanguei-me e amuei, chorei, ganhei prémios, dei as melhores gargalhadas, fiz rir muito, aprendi, ouvi palavras e frases que ainda hoje estão vincadas na memória, fiz disparates saudáveis, ouvi confissões e guardei segredos, ouvi músicas pela primeira vez que hoje fazem parte de mim, tive paixonetas, explorei, conheci dezenas de pessoas, das quais se contam pelos dedos duma mão as que se tornaram vitais, para mim, hoje em dia.

De manhã acordava bem cedo, não havia motivos para desperdiçar o dia a dormir mesmo que a noite tivesse sido longa. O bikini era o traje de todos os dias, quer estivesse sol ou não. Muitas vezes andava descalça, gostava de pisar o chão da rua quente e de sentir nos pés a textura, igualmente quente, do muro que percorria toda a baía. Saía-se de casa apenas com a toalha na mão, nada mais. Se houvesse fome bastava subir os degraus de cimento da praia e ir à esplanada comer um gelado, ou partilhar a famosa dose de batatas fritas com ketchup, que eram comidas uma a uma com um palito. Assim, as manhãs e as tardes eram passadas na praia, na areia escura, fina e macia, com brincadeiras no mar, saltos das rochas e passeios a nado duma praia à outra. A água é transparente e viam-se cardumes de peixes mínimos e cinzentos a fugir dos meus pés. Lembro-me de um dia a água estar tão quente que nem refrescava do calor que queimava a pele, cá fora.

As noites de pleno verão eram passadas na esplanada, com jogos de cartas longos e conversas disparatadas. Uma vez por outra havia desafios na guitarra. Noites de riso, de olhares e de cumplicidade. Éramos sempre muitos, as idades variavam mas ali as diferenças pouco se notavam. As melhores noites eram as passadas no balcão da casa da I., nas cadeiras de madeira branca e com lona às riscas brancas e cor-de-laranja. Conversas e jogos de todo o tipo. Lá, aprendi a distinguir a cassiopeia e a ursa maior das outras estrelas que, naquele céu negro parecem existir em maior quantidade. Se o balcão da I. falasse, tinha muito que contar.

Noites no cais antigo de pedra, com a lua a reflectir no mar ondulante, que alguém comparou aos versos da música dos Xutos “Aqui ao luar, ao pé de ti, ao pé do mar, só o sonho fica só ele pode ficar”.

Com a I. entrei em casas abandonadas, donde tirei pratos antigos, castiçais e colheres que, de tão antigas, se tornaram quebradiças. Com a I. trepei à varanda duma casa fechada donde não conseguia sair com medo das alturas. Com a I., apanhei boleia de carrinhas de caixa aberta dum lado ao outro da baía, cá fora, na dita caixa, e em pé. Com a I. e com o grupo apagámos as luzes da baia, de noite, dos candeeiros de rua e das casas. E não foi uma vez, nem duas.

No fim do verão os dias tornavam-se mais escuros, o mar mais revolto e já não dava para passar o dia na praia porque a areia escasseava. Gostava quando chovia, os pingos da chuva eram gordos e o mar ficava cinzento da cor das nuvens. As tardes de praia eram substituídas por tardes de jogos de sueca, de copas, de espelho, de peixinho, de burro em pé e sentado, de truques inventados, cozinhar panquecas, de passear pelas imensas vinhas que estão pela encosta da baía e deliciarmo-nos com a paisagem única. E era sobretudo nesta altura, em que os imigrantes deixavam a ilha, que a baía era ainda mais nossa.

Na altura de dizer adeus, os olhos enchiam-se de lágrimas, davam-se abraços, faziam-se promessas de escrever cartas (que eram escrupulosamente cumpridas) e as lembranças eram trazidas nas malas, nos bolsos, na pele e no coração.

Chamam-me a Joaninha de São Lourenço. Por algum motivo é. A verdade é que fui uma privilegiada.

detesto dilemas.

Não preciso que me seduzas

Não preciso que me seduzas...
Guarda o teu charme para as flores,
O teu perfume para o vento;
Prefiro nadar com as medusas
A dançar um tango com o tempo.

Jogos fáceis não me saturam
E muito menos me desperta
A dança dum monótono bolero;
Lábios furtivos não perduram
Mais do que um olhar sincero.

Qual relva acabada de cortar,
Eterna luta pelo verbo amar;
Naquele engano primaveril,
O tempo irei querer quebrar,
Encher-te de beijos mil.

E quando perder o juízo,
Julgar-me-á a incansável multidão,
Mas com o vento lhe direi em sintonia:
Prefiro a agreste melodia do teu riso
A qualquer dócil ironia.

Não preciso, pois, que me seduzas...
Guarda o teu charme para as flores,
O teu perfume para o vento;
Prefiro nadar com as medusas
A dançar um tango com o tempo.

D.B.Radou - http://key-west.blogspot.com/

segunda-feira, 11 de fevereiro de 2008

Eu sou do contra, quanto mais insistem comigo sobre qualquer coisa, mais a minha reacção é fazer o contrário. Não gosto que tentem mandar em mim, ou que dêem demasiadas opiniões sem que eu peça. Também sou teimosa, principalmente quando sei que tenho razão e teimam comigo. Muito impaciente, detesto esperar e, consequentemente, também não gosto de saber que estou a fazer alguém esperar por mim, entro em stress. Stressada…sim, também o sou. Gosto da minha liberdade, não gosto que me controlem nem gosto de muitas perguntas. Preciso tanto do meu espaço como partilhá-lo com alguém. Às vezes sou imprevisivel, pouco tolerante e inconstante. Canso-me da rotina. Gosto de ser enérgica, andar para lá e para cá. Gosto de sonhar, de fazer planos, tenho ambições. Às vezes o meu entusiasmo dura pouco, é só a euforia do momento. Gosto de ser surpreendida, de mimos e de atenção. Para mim, a melhor sensação é a de estar apaixonada, o meu sorriso nunca se desvanece. Dou importância aos pormenores, sempre dei. Consigo ser fria tanto nas palavras como nos actos, basta que sinta que fui injustiçada, magoada ou desrespeitada. Consigo ser dependente e independente ao mesmo tempo. Sou vaidosa o suficiente, gosto de me ver ao espelho e nos reflexos das montras. Por outro lado, há dias em que só quero esconder-me de mim. Não sei cantar, não sei dançar com par sem o pisar, mas acho que cozinho bem e que tiro boas fotografias. Se pudesse, mudava duas ou três coisas no meu corpo, não mais. Mudava e ia fazer-me bem. Sou curiosa, observadora e prática. Gosto tanto de ser o centro das atenções como passar despercebida.
Sou muita coisa, não sou outra tanta.

saltar ou não saltar?


O que é que eu faço?

Gary Jules - Mad World



Sei que a música já é antiga, mas este videoclip vale a pena!

Baraka


Vi este documentário de 1992 (dirigido por Ron Fricke) pela primeira vez no meu primeiro ano de curso, projectado no auditório de madeira da faculdade. No início ouviam-se risos baixinhos para o lado, mas depressa os olhos ficaram esbugalhados devido às cores, sons e movimentos que foram projectados ao longo de hora e meia.

Acredito que não encante todas as pessoas como me encantou a mim, uma vez que não contém diálogos, narrações nem uma sequência de cenas coesa, apenas cantos, rezas, sons da natureza, entre outros.

Baraka significa “sopro de vida”, por isso, tal conceito não podia ter sido melhor escolhido para intitular este documentário, pois trata-se de uma apresentação de contrastes e paralelos que mostram como há uma interligação entre os imensos povos, apesar das desigualdades de religião, costumes e dialectos.
As imagens, que nos enchem os olhos, e os sons tanto inquietam como relaxam, provocam lágrimas e sorrisos, fazem-nos reflectir. Um documentário perfeito.

domingo, 10 de fevereiro de 2008

lembranças

Sorrio quando me lembro que, quando era mais pequenina, cantava na sala-de-estar da casa da minha avó a música Desfolhada* (interpretada pela Simone de Oliveira no Festival da RTP em 1969) e imitava tal e qual a Simone de Oliveira, fazendo a minha avó rir. Acho que o fazia apenas porque a minha avó achava graça, porque gostava de a ouvir rir.
* (não me perguntem porque é que me deu para cantar essa música)

Ribeira - Porto


(photographia por Jane)

=)

Comprar um bom livro a 3€ na "Quinzena da Música e do Cinema" no Mercado da Ribeira

pôr-do-sol a bordo do cacilheiro, no tejo


(photografia por Jane)

sábado, 9 de fevereiro de 2008

ser tia

Ser tia implica fazer convites para a festa de anos do sobrinho (que é o que estou a fazer neste momento); implica passear pela cidade à procura dum sitio para a festa do sobrinho; implica estar presente na festa do sobrinho a monitorizar as crianças amigas do sobrinho (que é o que vou fazer brevemente); implica ajudar no lanche para a festa do sobrinho (idem idem).

Implica (já agora) jogar às damas com o sobrinho no messenger vezes sem conta só para o fazer feliz; fazer caretas no espelho enquanto corta o cabelo, no barbeiro, só para o sobrinho se rir e não ficar triste por o cabelo estar a ficar mais curto do que devia; segurar na mochila e no sumo do sobrinho enquanto ele resolve jogar à bola com os amigos à última da hora; abdicar do último bolo para o sobrinho comer; fazer os fatos do sobrinho para as festinhas do colégio; comparecer nas festinhas todas do colégio e fotografar o sobrinho mesmo que tenha de passar à frente das pessoas; emocionar-me nas festinhas do colégio do sobrinho.

Sou a tia “Nana” (Jane)

quinta-feira, 7 de fevereiro de 2008

O que há em mim é sobretudo cansaço - Álvaro de Campos

O que há em mim é sobretudo cansaço
Não disto nem daquilo,
Nem sequer de tudo ou de nada:
Cansaço assim mesmo, ele mesmo,
Cansaço.

A subtileza das sensações inúteis,
As paixões violentas por coisa nenhuma,
Os amores intensos por o suposto alguém.
Essas coisas todas -
Essas e o que faz falta nelas eternamente -;
Tudo isso faz um cansaço,
Este cansaço,
Cansaço.

Há sem dúvida quem ame o infinito,
Há sem dúvida quem deseje o impossível,
Há sem dúvida quem não queira nada -
Três tipos de idealistas, e eu nenhum deles:
Porque eu amo infinitamente o finito,
Porque eu desejo impossivelmente o possível,
Porque eu quero tudo, ou um pouco mais, se puder ser,
Ou até se não puder ser...

E o resultado?
Para eles a vida vivida ou sonhada,
Para eles o sonho sonhado ou vivido,
Para eles a média entre tudo e nada, isto é, isto...
Para mim só um grande, um profundo,
E, ah com que felicidade infecundo, cansaço,
Um supremíssimo cansaço.
Íssimo, íssimo. íssimo,
Cansaço...

ao Filipe, que acha que é menos importante só porque ainda não lhe dediquei um post


11 anos de história, meu amigo. Não é para todos!
Já sabes tudo...

Gilles Apap


Tive o prazer de, há uns meses largos, poder assistir a um concerto bem informal do violinista Gilles Apap, no Salão Nobre do Conservatório Nacional. Tinha acabado de o conhecer através do youtube e, quando soube que ia ter oportunidade de ouvi-lo ao vivo, foi fantástico.
Gilles Apap foi já intitulado "The Violinist of the twenty-first century" por Yehudi Menuhin. Distingue-se não só pelo seu à-vontade em palco, mas também por combinar espantosamente música clássica com jazz e música cigana.
Dêem uma vista de olhos neste video e deliciem-se: http://www.youtube.com/watch?v=VmjGDBWZZFw

quarta-feira, 6 de fevereiro de 2008

P.R.F.C.

Parabens a ti, de quem há mais de um ano que não sei nada.
Nem sei se mereces este post...

my passion


(Jane)
Um dia ainda ainda vou ter uma daquelas máquinas grandes e pretas, que se focam manualmente. Ah! E um documento a dizer que sou fotógrafa.

Eu

Eu sou a que no mundo anda perdida,
Eu sou a que na vida não tem norte,
Sou a irmã do Sonho, e desta sorte
Sou a crucificada... a dolorida...

Sombra de néve ténue e esvaecida,
E que o destino amargo, triste e forte,
Impele brutalmente para a morte!
Alma de luto sempre incompreendida!...

Sou aquela que passa e ninguém vê...
Sou a que chama triste sem o ser...
Sou a que chora sem saber porquê...

Sou talvez a visão que Alguém sonhou,
Alguém que veio ao mundo pra me ver
E que nunca na vida me encontrou!

Florbela Espanca


o meu soneto preferido desde o momento em que o li, pela primeira vez, há anos.

terça-feira, 5 de fevereiro de 2008


(Jane)
Tentei. Desisti. Voltei a tentar.
Tive a sorte de me oferecerem uma guitarra, mas não consegui fazer soar dela mais do que meia dúzia de acordes, os quais nem o nome sei. Confesso que foi em grande parte por impaciência minha, queria ser capaz de tocar logo tudo duma só vez e o tempo que leva a aprender a posicionar os dedos em cada acorde, e a mudar de um para outro rapidamente, é mais longo do que a minha paciência tolera. É pena. Aprendi a interpretar as tabs, por isso o esforço até nem foi em vão. Mas confesso que adorava saber tocar, sempre achei que ficava bem uma mulher a tocar guitarra, assim como violoncelo. Sensual.
Voltei a tentar. Desisti.

segunda-feira, 4 de fevereiro de 2008

e foi assim

Acordei, olhei para o espelho e achei que algo devia mudar. Comecei pelo mais fácil: cabelo! Despedi-me facilmente dos fios longos, dei alguma sindicações à P. sobre o que eu queria e... voilà!
Gosto.

domingo, 3 de fevereiro de 2008

procura-se

Gelado SKY, da famosa marca "Olá". Desaparecido nos anos 90.

Caracteristicas: cobertura de chocolate, natas no interior e núcleo de chocolate tufado. Papel envolvente de cores azul e prateado.

Recompensa: aproximadamente 80$

saída *


* precisa-se
(photografia por Jane)

de um fôlego só

vontade de sentir o sabor dos cheiros e as cores dos sons que me perseguem desde que sorri para o mundo sair de casa pela janela e flutuar até tocar nas pedras do chão chegar à beirinha de um precipício desequilibrar-me e experimentar o medo da queda sem cair seguir as formigas e conseguir finalmente perceber o que se passa dentro do formigueiro pintar a cara com pós brilhantes de cores fantásticas e vestir-me de cetim gritar histericamente para a almofada que me abafa até sentir veias a latejar cortar o cabelo pintá-lo de branco lamber pedras de gelo para matar a sede mergulhar numa piscina quente com sapatos calçados pisar algodão de cores pálidas descalça para sentir a maciez da pele dum bebé tocar na chama da vela púrpura que cheira a alfazema que está no mel que não queima os dedos entornar a cera derretida para a palma da minha mão arriscar um beijo no carro que toca música piscar o olho a uma criança que roubou rebuçados de frutos silvestres encher os bolsos de tecido de cambraia com bons momentos provocar gargalhadas com um salto subir para o barco à vela de patins descer uma rua inclinada onde no fim há abraços abertos que me esperam pintar os carros com cornucópias esbatidas pelo sal do mar verter todos os perfumes do mundo para uma banheira lamber dos dedos o chocolate derretido misturado com leite condensado receber cartas lacradas de encarnado sangue estalar os dedos trabalhar no moinho de vento mais antigo arrepiar-me com o toque quente que nunca senti pintar telas maiores que eu com pincéis de vernizes das unhas construir amizades com índios cheios de missangas e penas... ... ...

sábado, 2 de fevereiro de 2008

sexta-feira, 1 de fevereiro de 2008

cenas-cliché

Quando digo que gostava que a minha vida tivesse “semelhanças-idênticas” com cenas de filme, refiro-me mesmo àquelas cenas típicas que aparecem em quase todas as comédias românticas e que já se tornaram um cliché. Cliché nos filmes, porque na vida real não há cliché nenhum, pelo menos na minha.

Um dia ainda me hei-de cruzar com um rapaz lindíssimo numa esquina, derrubar-lhe os livros que tem empilhados em ambas as mãos, fazer uma cara atrapalhada, pedir desculpa e logo a seguir cair-me como por magia um cartão do bolso, sem eu dar por isso, com o meu nome e número de telefone, através do qual ele me vai contactar.

Depois desde episódio, uns tempos mais tarde, vamo-nos beijar à chuva, que vai começar de repente e torrencialmente, embora o céu parecesse límpido.

Claro que vão existir discussões e uma delas vai ser em pleno restaurante e vai acabar comigo a levantar-me e a entornar um copo cheio de champagne (ou outra qualquer bebida) no colo dele, ou então directamente para a sua carinha linda de morrer. Claro que eu, orgulhosa e impulsiva como sou, vou resolver partir para longe e é aqui que entra a cena do aeroporto. Ele vai-me impedir de entrar num avião para o outro lado do mundo e a reconciliação vai acabar com uma declaração incluindo as frases “és a mulher da minha vida”, “amo-te” e com um beijo longo e apaixonado enquanto as pessoas da sala de embarque batem palmas.

E pronto, foi só um exemplo.